ESPORTE ESSENCIAL EDITA NOVA ENTREVISTA DE PERSONALIDADE OLIMPICA EM QUE CRITICA O COB A ESTRUTURA DA RIO 2016

O ESPORTE NÃO PODE REPRESENTAR
GASTOS PÚBLICOS DESNECESSÁRIOS
Por Fabiana Bentes
Medalhista olímpico e um grande campeão
na vela, Lars Grael também dedicou seu tempo a tentar melhorar a
estrutura para o esporte no país e, por isso, é considerado um dos
profissionais de maior credibilidade na área. Líder nato em todas as
classes e clubes em que velejou, também foi membro do Conselho Fundador
da Agência Mundial Antidoping (WADA) e exerceu cargos públicos como de
Secretário Nacional de Esportes no governo FHC.
Hoje, Grael acredita
que, para mudar a configuração do esporte no Brasil, é preciso que haja
mais diálogo entre todas as esferas ligadas ao esporte. Além disso, para
ele, é essencial que o atleta brasileiro, principal estrela, tenha voz
ativa durante decisões importantes.
Em minha opinião, Lars
Grael deveria voltar a fazer parte da gestão do esporte no Brasil. Uma
pena que, a curto prazo, isso não irá acontecer.
Esporte Essencial: Qual é a expectativa sobre a Baía de Guanabara para os atletas brasileiros?

A segunda expectativa que eles têm é o
fato da Baía de Guanabara ter condições muito particulares de vento e de
correnteza, gerada por uma maré inconstante, e que isso traga um
benefício técnico e tático para a equipe brasileira. Por ser uma raia
muito difícil, muito particular, isso possa trazer algum benefício ao
atleta brasileiro. Essas são as duas percepções que o atleta da equipe
olímpica possui hoje.
Foto aérea mostra poluição visível na Baía de Guanabara
EE: E como o atleta vê a recepção desses atletas estrangeiros? Com vergonha, com orgulho?
LG: Com perplexidade e vergonha, porque
as equipes estrangeiras já começaram a vir ao Brasil e, quase todas
elas, principalmente dos países mais organizados, já encontraram bases
onde poderão treinar. Já que a estrutura da organização Rio 2016 não
oferece locais adequados para que essas equipes possam se instalar, cada
país isoladamente busca acordo com um dos clubes da orla da Baía de
Guanabara, seja no Rio ou em Niterói. À medida que as equipes estão
vindo para cá, o cenário que eles encontram é o da poluição absoluta.
Não é a poluição do lixo flutuante, mas da qualidade da água, que é
repugnante e asquerosa. E é isso o que se negam a discutir. Então, o
desgaste hoje na mídia internacional e nos sites especializados do mundo
da vela é muito alto e com uma tendência
de piorar, porque não vemos propostas de soluções que sejam aceitáveis.

A verdade é que há um erro estratégico
das três esferas governamentais e do Comitê Organizador Rio 2016, que
desde o início estavam cientes do quadro de poluição. Como nunca na
história da vela algo parecido aconteceu de se velejar em um ambiente
tão poluído, nós apresentamos um plano B. O plano B para o Rio de
Janeiro, que seria o lógico, era fazer em Búzios. Porque, ao contrário
da proposta do Rio 2016, que queria fazer tudo concentrado próximo da
Vila Olímpica e que foi uma estratégia importante para a captação dos
Jogos Olímpicos, mas várias alterações desse projeto original já foram
feitas. A vela necessitava de uma alteração desde o início e nós
alertamos de todas as formas possíveis. Para a lógica do velejador – eu
tenho experiência e seis participações olímpicas (das quais quatro como
atleta) –, a primeira coisa é que o lugar tem que ser bom de vento. O
vento em Búzios, ainda mais na época de agosto, é excelente, tido como
uma das melhores raias do mundo. O vento do Rio de Janeiro em agosto, ao
contrário de Búzios, tem uma predominância fraca e variável, o que
deixa a regata tecnicamente prejudicada. A segunda lógica para o
velejador, que é fundamental, é a qualidade da água. Em Búzios a água é
límpida e, por mais que tentem sujar, não dá tempo. Embora a gente hoje
perceba falhas com relação a saneamento básico público, ligações
clandestinas de esgoto, é um local de águas abertas, que continuará
limpo em 2016. O Rio de Janeiro é poluído e não será despoluído para
2016.
O terceiro aspecto é a marina. O Rio não
tem uma marina e provavelmente não terá até 2016. A Marina da Glória é
de uma distância abissal. A distância do que ela é e o que ela se
propõe, ao que deveria ser uma marina olímpica. Então, o correto era
fazer uma marina do zero aqui no Brasil. Estão fazendo estádios de R$ 2
bilhões para o futebol em alguns lugares, estão fazendo campos de golfe
que custam uma verdadeira fortuna e tudo que vão fazer na Marina da
Glória é uma tapeação. Vão acarpetar, colocar tenda, iluminação,
segurança e vão chamar aquilo de marina olímpica. Francamente, é uma
decepção. Então, o trabalho de fazer a marina, em Búzios seria igual. Lá
existe o projeto Porto Búzios, que está inacabado e poderia ter sido
concluído. Se fosse feito com velocidade, teria tempo de
terminar
no prazo, mas sequer existe um planejamento. Nem quiseram discutir o
projeto de fazer a vela em Búzios e minimizar o desgaste. Então, será no
Rio de Janeiro, acho que já está passando do ponto de retorno, e será
feito na base do improviso. Seja na tentativa de minimizar a poluição,
seja oferecendo uma marina improvisada para sediar as Olimpíadas. Para a
vela, o legado que se espera da Olimpíada é próximo de zero. A Baía,
péssima, quem sabe fique um pouco melhor do que ela está. E a marina,
que nós não temos, continuaremos sem ter.

EE: Você falou da questão da
qualidade da água... Você acha que vai existir uma preparação
medicamentosa dos atletas estrangeiros para as provas na Baía de
Guanabara?
LG: Eu acho que vai ter um certo pânico
quanto ao risco de contaminação de doenças, mas quanto a isso estou mais
tranquilo. Nós velejamos aqui com frequência, velejadores de todas as
faixas etárias, remadores e até nadadores e não
temos registro recente de nenhum tipo de contaminação que venha das
águas da Baía de Guanabara. Então, acho que isso é mais pânico. O que
nós temos vergonha é de mostrar a qualidade da água. A água que era para
ser límpida é escura, marrom, fedorenta. É um quadro mais de vergonha
em apresentar nossa casa suja, em um cartão-postal lindo, que poderia
ser a grande fotografia das Olimpíadas, e num cenário maculado. Mas com
relação à contaminação por doença eu acho que a chance é mínima. Na
prática nós não constatamos contaminações nos atuais usuários da Baía de
Guanabara, por isso acho que não vai ser necessário nenhum tipo de
medicação específica.

Em janeiro, a velejadora Martine Grael encontrou uma TV boiando em Niterói enquanto praticava stand up paddle
EE: Muitas crianças começam na
vela na Lagoa Rodrigo de Freitas, que também tem muitos praticantes de
remo. Qual a sua percepção sobre a Lagoa?
LG: A percepção sobre a Lagoa Rodrigo de
Freitas, como também sobre a raia da maratona aquática, prevista para
acontecer em Copacabana, e como as raias de vela na Baía de Guanabara, é
semelhante. É um problema de ordem ambiental que poderia ter sido
solucionado se tivéssemos dado prioridade ao tema. O brasileiro trata
com desdém a água, paga caro para viver à beira da Lagoa ou de frente
para o mar, admira a paisagem, mas a cultura não passa da arrebentação
das praias. Já vociferaram quanto à despoluição que foi feita na Lagoa,
que era um exemplo e tal... Vamos lá ver a realidade. A raia não é ideal
para o remo. Não sou especialista em remo, mas em termos de comprimento
da raia para ter espaço para evacuar os barcos, após cruzarem a linha
de chegada, para desacelerarem. Ela não tem largura e profundidade
constantes e, pior do que isso, tem uma qualidade de água muito ruim. É
um cartão-postal feio. Está certo que se pode criar telas para evitar
que o lixo entre na raia olímpica e venha a atrapalhar um barco, mas
ainda assim, olha a qualidade da água! Na Baía de Guanabara eu já me
deparei quatro vezes com cadáveres. É você estar navegando e passar do
lado. Uma cena... Imagina isso nos Jogos Olímpicos! Deus queira que isso
não ocorra.
EE: Como você encarou essa recente intervenção do COI nas obras para as Olimpíadas? É mais um motivo para envergonhar o Brasil?
LG: Eu acho que é um mal necessário.
Quando nós percebemos pela mídia que, de 53 instalações esportivas, 37
não tinham saído do papel (não sei se o número é bem esse, mas a é uma
proporção como essa), é preocupante para todos nós, cidadãos cariocas,
fluminenses e brasileiros. Nós percebemos que o tempo está passando... O
tempo, que já foi nosso grande aliado, hoje é nosso inimigo. A lentidão
é visível nesse processo de obras de acessibilidade, mobilidade urbana e
instalações esportivas. No caso da vela, os anos que antecedem uma
Olimpíada sempre têm eventos-teste. Não é, por exemplo, como um tatame,
uma piscina ou uma pista de atletismo, que vão ser iguais no Rio ou na
Dinamarca. Aqui são condições naturais, onde um atleta tem que fazer
toda uma adaptação para conhecer a configuração de raia, seja do espaço,
das correntes marítimas, das marés e ventos. Os eventos-testes
acontecem. Ano passado era para ter tido evento-teste e não teve por
absoluta falta de iniciativa e instalações. Para 2014, está previsto o
evento-teste em agosto, naquela Marina da Glória. Se você for hoje lá,
perto do Monumento dos Pracinhas, vai ver que sai uma galeria de águas
pluviais que é 100% esgoto. Uma imundice, uma coisa asquerosa dentro da
marina olímpica! Dá para sentir pelo odor o que é o ambiente da marina
olímpica.

EE: Por que os atletas não estão sendo chamados para fortalecer esse time do Rio 2016?
LG: A estrutura da organização do
esporte no Brasil é muito hierarquizada, onde, historicamente, o atleta
não participava do processo. O atleta nunca foi chamado a participar.
Nós temos o esporte com o Comitê Olímpico, Comitê Paralímpico,
confederações brasileiras, federações estaduais, clubes e, lá embaixo, o
atleta, que é o protagonista do esporte, mas nunca teve voz de comando.
Isso está mudando, a legislação já alterou. Com a Lei Pelé, começa um
processo de democratização do esporte no Brasil. A primeira vez que o
atleta teve acesso organizado ao processo decisório foi no final de
1999, quando atletas que eram formadores de opinião buscaram um canal
direto com o presidente Fernando Henrique, já com a reivindicação da lei
de incentivo ao esporte. Criou-se, então, uma comissão nacional de
atletas, vinculada ao Ministério do Esporte e Turismo. Essa comissão,
que foi presidida inicialmente pelo saudoso tricampeão olímpico Adhemar
Ferreira da Silva, também já foi presidida pelo Bernard Rajzman do
vôlei, por mim e, depois, pelo Ciro Delgado de esportes aquáticos. E
aconteceu que não interessou mais para o Ministério do Esporte, por
algum motivo, a manutenção da comissão nacional de atletas. Nunca foi
oficialmente extinta, mas foi encostada, entrou na inatividade. O Comitê
Olímpico Brasileiro e o Comitê Paraolímpico Brasileiro criaram suas
comissões de atletas, sabidamente também inativas. São “arroz de festa”.
Quando tem algum evento, são chamados lá para entregar prêmio e
aparecer na foto, mas não são chamados a participar do processo
decisório.
EE: Você participa da organização Atletas pelo Brasil. Esta organização é para dar voz aos atletas do país?
LG: Sim. Por esse afastamento que foi
gerado de novo entre atletas e as entidades gestoras do esporte, é que
floresceu o Atletas Pelo Brasil, organizado pelo campeão mundial de
futebol Raí. Inicialmente, discutindo temas que eram alheios à política
esportiva, como foi a questão do jovem aprendiz. Mas como o atleta tem
compromisso natural com a sua atividade, então começaram a voltar as
atenções ao tema esportivo. Hoje, a entidade é presidida pela Ana Moser,
do voleibol, com um grupo enorme de atletas participantes, que vai de
Hortência, Magic Paula, Rubens Barrichello, Cafu, Torben Grael, Oscar,
entre outros. Esse pessoal tenta ter uma voz de participação, emitem
opiniões, participam de debates junto ao Congresso Nacional, ao
Ministério do Esporte, aos empresários que hoje investem no esporte
pelas leis de incentivo. Ou seja, tentam de alguma forma influenciar,
mas ainda não são oficialmente reconhecidos, vivem à margem do processo
decisório. Mas pelo menos já existe um grupo organizado tentando fazer a
diferença, levando uma representação da voz do atleta, que ainda falta
muito na condução do esporte brasileiro.

Ana Moser, do vôlei, é quem preside o Atletas Pelo Brasil (Foto: Marcos Mesquita/ Atletas pelo Brasil)
EE: Falamos da estrutura
olímpica, mas também estamos preocupados com a preparação para os Jogos
Paralímpicos. Qual a sua opinião?
LG: Eu sou muito otimista com relação à
Paraolimpíada. Primeiro que eu tenho uma crítica de conceito, que não é
culpa das autoridades organizadoras do Brasil. Quase sempre que se tem
um grande evento, é feito um evento-teste anterior. Como foi a Copa do
Mundo, houve uma preocupação em fazer a Copa das Confederações no ano
anterior, já fazendo um teste para o evento. E o que eu acho é que a
Paraolimpíada deveria acontecer logo antes dos Jogos Olímpicos. Já
existe toda uma expectativa para o ambiente olímpico, ter a
Paraolimpíada abrindo o evento traria visibilidade, reconhecimento e
admiração. Criaria, então, uma grande expectativa para o grand finale,
que seria a Olimpíada. Assim como quando tem o show de uma grande
banda, tem sempre uma banda importante ou em ascensão que faz a
abertura.
Hoje em dia o que acontece, seja na
Olimpíada de Verão ou de Inverno, quando a Olimpíada, que só se fala
nela, termina, no final da feira, a xepa, cedem aquelas instalações para
acontecer a Paraolimpíada. Numa fase em que a grande apoteose já
aconteceu, já na ressaca pós-olímpica, a Paraolimpíada acontece sempre
com baixíssima visibilidade. Sei que isso não vai mudar para o Rio de
Janeiro, mas esse é um ponto de reflexão que deveria ter para o futuro,
em se pensar em fazer a Paraolimpíada antes.
EE: Como você observa o movimento paraolímpico no Brasil?
LG: No Brasil, o movimento paraolímpico é
muito antigo, surgiu nos anos 50, pouco depois do surgimento em Stroke
Mandeville, no Reino Unido. São pessoas abnegadas, que construíram o
movimento através de sonho, de dedicação, de contrariar às vezes as
barreiras impostas, inclusive do preconceito. Mas só foi ter um Comitê
Paralímpico no Brasil em 1995, fundado em Niterói. Depois, com o
benefício da Lei Agnelo-Piva, em 2000, é que tiveram verbas públicas, se
mudaram para Brasília. Houve uma fase inicial, com uma luta por poder,
que foi nociva ao movimento paraolímpico. Na minha forma de ver, hoje
encontramos o CPB estabilizado, democrático e bem gerido. Mais do que
isso, no continente das Américas, em especial da América do Sul, o
Brasil está na vanguarda do movimento paraolímpico, basta ver nossa
supremacia continental. Se no âmbito olímpico ainda falta muito para o
Brasil ser uma potência, já no paraolímpico avança a passos largos. O
Brasil pode estar muito aquém do cenário ideal, mas o esporte
paraolímpico está muito além da média mundial. Eu acho que o Brasil vai
fazer uma grande figura nas Paraolimpíadas. Aquela supremacia ou
abundância de conquista de medalhas, que talvez não venha da forma como
nós gostaríamos nas Olimpíadas de 2016, virá nas Paraolimpíadas. Por
isso eu estou muito otimista.
EE: Como está a questão da estrutura dos Jogos Paralímpicos?
LG: Eu acho que a estrutura está
prevista, com o IPC, junto ao COI. Todas as estruturas serão adaptáveis
depois. Algumas, quase todas, já serão construídas com essa
acessibilidade prevista no projeto original. Outras
modalidades vão ter adaptações específicas às condições técnicas do esporte paraolímpico.

EE: O Rio de Janeiro é uma cidade acessível?
LG: O Brasil não é um país acessível.
Basta ver que nós temos uma lei pública de acessibilidade, com normas da
ABNT, e um estatuto da pessoa com deficiência minuciosamente aprovado
pelo Congresso Nacional, que é um dos estatutos mais avançados do mundo.
Mas entre a retórica e a prática existe uma distância enorme. O próprio
poder público não gera exemplo, garantindo a acessibilidade prevista em
lei. Esse é um problema de cultura, de uma nação em que se faculta à
sociedade o cumprimento ou não das leis. Então, o Rio de Janeiro tem
problemas como qualquer outra cidade, mas as
instalações esportivas, pelo que sei, estarão plenamente adaptadas e acessíveis. Esse é o mínimo que podemos esperar.

EE: Você presidiu, por um tempo bastante limitado, a Confederação Brasileira de Vela. O que aconteceu?
LG: Por cinco dias. Na época, nós
velejadores clamávamos por mudanças na gestão da vela, temíamos pelas
dívidas que a confederação podia estar adquirindo, em função de uma
relação com o financiamento dos bingos. Quando eu assumi a entidade, meu
primeiro ato foi pedir uma auditoria imediata. Foi quando um advogado
constatou uma dívida fiscal astronômica com a Receita Federal. Quando
vimos a total impossibilidade de gerir a entidade com a dívida que
estava colocada em público naquele momento, não restava opção a não ser
convocar uma assembleia geral extraordinária, mostrar a situação de
insolvência da Confederação de Vela e propor uma intervenção feita pelo
Comitê Olímpico Brasileiro. A vela, então, viveu por muitos anos com um
interventor do COB, que foi fundamental para evitar que o esporte
entrasse em colapso no Brasil por falta de liderança e gestão. Anos
depois criaram uma nova Confederação, com novos princípios de
governança, que hoje é presidida pelo então presidente da Federação de
Vela do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Sá Ribeiro. Nós temos a
expectativa que os erros de outrora não se repitam.
EE: Você tem algum anseio em presidir o Comitê Olímpico Brasileiro?
Foto: Míriam Jeske

EE: Mas você gostaria de ser elegível ao COB?
LG: Talvez algum dia eu dê minha
contribuição em assumir uma confederação de vela para valer, mas isso
não será a curto prazo. E aí, o dia que eu assumir e passar cinco anos à
frente dele, eu estarei elegível...
EE: Se não existissem essas barreiras estatutárias, você gostaria de ser candidato?
LG: Talvez eu participasse de um
movimento, envolvendo Atletas Pelo Brasil, oferecendo propostas de
gestão para o esporte olímpico no Brasil e que passaria então pela
indicação de um de nós para se candidatar ao COB. Isso hoje é vedado,
então está fora de questão.
EE: Você tem alguma expectativa
de mudança para as instalações esportivas no Brasil? Ou você acha que
quando passar a Olimpíada é que vão esquecer completamente esses
projetos de despoluição?
LG: Eu prefiro acreditar na seriedade,
sobretudo da mobilização da sociedade em perceber que o nosso dinheiro
não sai pelo ralo. Então, que o verdadeiro legado, que é a palavra de
ordem dessa Olimpíada desde o início para convencer a sociedade, nós
vamos gastar inúmeros bilhões para adaptar o Rio de Janeiro em uma
cidade olímpica, que deixe um legado de fato. O legado de fato para o
remo é a Lagoa de Freitas despoluída, além de equipamentos
adequados
para a prática, um partidor moderno e que funcione, um estádio que seja
devolvido ao remo, uma estrutura adequada para formar novos
remadores... E que isso seja para todo e qualquer esporte, passando
pelo badminton, pelo judô e pela vela. Eu acho que tem que ter um plano
diretor para os Jogos Olímpicos que não seja parar em 2016. Uma nação
olímpica é uma nação que tomou a decisão de investir no bem-estar
social, na saúde pública, na valorização da educação física e no resgate
do esporte na escola. O ano de 2016 é apenas uma etapa, quando um
grande evento vai acontecer no Brasil, mas o verdadeiro crescimento do
país no esporte olímpico e paraolímpico só será medido a partir de 2020.
Algumas nações que investiram pesado no esporte olímpico tiveram
crescimento em função de um desenvolvimento, de uma prioridade de
investir em esportes olímpicos e conseguiram estabilizar, de forma
sustentável, um crescimento.

EE: Poderia citar exemplos?
LG: A Coreia do Sul depois dos Jogos
Olímpicos de Seoul; a Austrália depois dos Jogos de 1956 e, mais
recentemente, nos Jogos de 2000; a China depois de 2008. Agora tem
países que fizeram da Olimpíada uma festa com início, meio e fim. É o
caso da Grécia, que teve um desempenho muito acima da sua média nos
Jogos de Atenas 2004 e já nos Jogos de 2008 estava num patamar tão
irrelevante quanto o Brasil. Hoje, atrás, inclusive. Não
teve
a menor sustentabilidade. A Olimpíada passou, o benefício para o
esporte grego desapareceu e ficaram as dívidas. Dizem os economistas que
cerca de 10% do montante da dívida da Grécia é oriunda dos gastos dos
Jogos Olímpicos. O esporte desapareceu da Grécia porque hoje as
instalações estão abandonadas. Não havia uma planejamento para ter um
uso sustentável pós-Olimpíada. É o que nós queremos evitar no Brasil. É
hora de alertar. Queremos que todas as instalações sejam sustentáveis,
tenham um modelo de gestão, forma de financiamento e de manutenção. Para
evitar o que houve com o Engenhão, construído em 2007 custando uma
fortuna e em 2012 é interditado porque caiu a cobertura por falta de
manutenção, de cálculo e de gestão.

EE: O COI tendo essas
informações do que está acontecendo no Brasil na preparação, tanto da
Copa quanto das Olimpíadas, pode mudar de mentalidade para os próximos
eventos? Como você vê o futuro de pensamento do COI e da FIFA com o
exemplo do Brasil?
LG: Tanto para a FIFA quanto para o COI,
o sinal está amarelo ou vermelho intermitente, porque é preocupante.
Para a Copa do Mundo da FIFA, que acontecerá daqui a menos de 50 dias,
grande parte do que foi prometido não aconteceu. O que vai acontecer são
os estádios, a preço de ouro e com custo-benefício questionável para
sociedade. Melhoramentos em alguns aeroportos sim, quase todos
inacabados, mas alguma coisa vai ficar disso. Agora resta saber se esse
gasto era necessário para um país que tem outras prioridades. O fato é
que é um processo irreversível. À medida que o Brasil prometeu muito e
entregou pouco, parte apenas daquilo que prometeu, para o COI ficou
evidente que esse cenário tende a se repetir. Então, eu acho que quanto
mais eles participarem do processo decisório, definindo marcos
regulatórios, compromissos que tenham que ser atingidos, com metas de
tempo e resultado, é importante.
EE: Nessa questão de em vez de
construir novos, aproveitar os antigos com uma remodelação, respeitando a
cultura local, sem abranger demais. No caso da Copa, nós ampliamos
demais o raio da competição...
LG: No fundo, uma grande disputa
política entre governadores que queriam aparecer na foto como
cidade-sede da Copa do Mundo. Houve uma disputa ferrenha de prestígio
entre os governadores, um jogo de poder, que envolvia o poder executivo e
o poder legislativo. Então, para tentar atender o maior número de
Estados, fizeram 12 estádios novos no Brasil. Um verdadeiro desperdício.
Poderia se fazer com oito. Um gasto astronômico com custo-benefício que
só o tempo dirá se foi bom ou não à sociedade... Quase sempre quando
tem uma grande candidatura para um evento o discurso é “isso vai ser
financiado pela iniciativa privada, o governo praticamente não vai ter
que investir nada”. Quando chega na hora, a gente sabe que não é bem
assim. Quem paga a conta é o cidadão, o contribuinte. Há uma preocupação
com isso, então que seja feito com muita racionalidade.
Foto: Míriam Jeske

EE: E essas licitações emergenciais que geralmente costumam acontecer para remediar atrasos. Você acredita que vão acontecer?
LG: É evidente que sim, acho que ninguém
duvida disso. À medida que as obras não acontecem... Qual é o projeto
da Marina da Glória? Eu desconheço e olha que eu sou da vela! Já vi
vários que foram abandonados e questionados, inclusive legalmente.
Órgãos públicos que questionam o patrimônio histórico, órgãos
ambientais... Então a coisa não acontece. Alguma hora vai acontecer, mas
de que jeito? Com contrato emergencial, é evidente.
EE: E a questão do LADETEC ( Laboratório brasileiro de controle de dopagem) ?
LG: Tem aquele dito popular “pau que
nasce torto, não endireita mais”... O LADETEC tem problemas, em
linguagem parlamentar, de vícios de origem. Precisam ser corrigidos. O
Brasil investiu muito dinheiro. E eu contribuí com o seu surgimento
quando fui secretário nacional de esportes e membro do board da Agência
Mundial Antidoping (WADA) na fase que o LADETEC foi credenciado. Havia
uma expectativa muito positiva do Brasil ter essa soberania, do país
mesmo ter essa capacidade de fazer as suas avaliações e exames
antidoping. Por questão de uma gestão muito engessada de uma
universidade federal, a UFRJ, o LADETEC mostrou ao longo dos anos ser
ineficiente e mais caro, inclusive, do que laboratórios internacionais.
Além disso, problemas de ordem técnica que geraram esse
descredenciamento. Espero que seja credenciado de novo e com um modelo
de gestão que permita agilidade, boa gestão e um custo pelo menos igual
ao internacional para uma entidade brasileira poder fazer um exame
antidoping sério e fidedigno.
Demais fotos: Divulgação
Palavras de Lars Grael ao final da entrevista:
